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Histórias de viagens ilustradas com fotografias

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Guadiana 2010 - descida em canoa, parte 1

6ª feira - De Palmela a Mértola, passando por Alcoutim

"Guadiana dum cabrão
Nan te ficas a rir de mim
Porque ê com a pagaia na mão
Fui de Mértola a Alcoutim"

(Paulo Emanuel, Agosto 2010)
(ler com sotaque alentejano)


Não me afoguei, mas afoguei as mágoas. Esta foi talvez a maior ilação que tirei destes três dias fantásticos por terras de além Tejo.
A actividade física e o desporto sempre fizeram parte da minha natureza, e os últimos anos passados na cidade do Porto sem qualquer actividade têm-me complicado o sistema nervoso. Esta descida serviu para reavivar as memórias, e devolver o gosto já esquecido da actividade ao ar livre. Agora que se aproxima a passos largos a hora do regresso a Sintra, sinto que ainda tenho força suficiente para dar duas seguidas. E hei-de voltar a dar, duas voltas seguidas ao quarteirão, a correr.

O Carlos deu a melhor definição que ouvi para as descidas do Guadiana organizadas pelo Clube ATC Aventura: um misto de vida no campo e Liga dos últimos.

Considero a definição absolutamente apropriada. Não só porque efectivamente se tratou de uns dias de vida no campo, mas acima de tudo porque os conceitos de companheirismo, entreajuda e solidariedade, mais condizentes com o estilo de vida de de quem vive no campo do que entre quem vive na cidade, estiveram de facto presentes entre todos. Bom, entre quase todos. A presença habitual de um grupo de vuestros hermanos (sim, que nuestros eles não são de certeza) corre o risco de se transformar num grave incidente diplomático.
Na Liga dos últimos, mais do que jogar por dinheiro, ambição ou fama, joga-se pelo prazer de jogar e com satisfação. E foi assim que todos acabaram mais esta descida do rio Guadiana em canoa: com satisfação pelo prazer que tiveram no convívio de dois dias com os amigos.

A descida em canoa propriamente dita foi apenas de dois dias, sábado e domingo, mas na 6ª feira já estávamos em estágio, a preparar o fim de semana. Os músculos, com maior ou menor dificuldade, superariam as agruras da descida, e caso não aguentassem, lá estavam os barcos de apoio. Agora o estômago...

A partida de Palmela ocorreu mais ou menos à hora prevista, e a viagem decorreu normalmente, com a primeira paragem a ser feita em Santa Margarida do Sado, onde estava marcado um encontro com uns torresmos. Voltámos de novo à estrada, desta vez para seguirmos até Alcoutim, final da descida e local onde iriam ficar os carros.
Não sei se é verdade ou não a anedota que diz que no Alentejo os restaurantes fecham para almoço, mas mesmo que fechem, à hora que chegámos, 15h, já estariam de novo abertos e com almoço disponível ainda para nos servirem.



O almoço em Alcoutim / Sanlúcar de Guadiana visto de Alcoutim




O rio Guadiana em Alcoutim / A travessia para Sanlúcar de Guadiana



Como o autocarro que nos levaria até Mértola só chegaria ao final da tarde, tivemos tempo para atravessar o rio e ir até Sanlúcar de Guadiana. Na barca que faz a travessia aconselharam-nos a ir ao café do Zé Maria e pedir cerveja em “vaso de barro”. Não foi difícil encontrar o café do Zé Maria, demos uma volta pela terra e só encontrámos um café mesmo, teria que ser esse. No final houve um vaso de barro que fez questão de nos acompanhar no regresso. Foi amor à primeira vista, parece.
Nenhuma viagem turística ficaria completa sem a presença de alguns pacotes de açúcar. De Espanha trouxe um pacote de exportação da Delta que ainda não tinha.




Alcoutim visto de Sanlúcar de Guadiana / À mesa com os vasos de barro






No regresso a Alcoutim

Contrariando as expectativas, o autocarro que nos levaria a Mértola era quase último modelo. Ouvi relatos de que em anos anteriores o meio de transporte disponibilizado parecia saído de um filme de história e demorava quase uma hora a percorrer os 38km do trajecto. Nesse período de tempo estavam incluídas paragens a pedido dos passageiros para se alijarem dos restos da cerveja. Com este autocarro, o trajecto foi tão rápido que não justificava qualquer paragem.




O autocarro para a viagem até Mértola

Com a chegada a Mértola ia começar a aventura propriamente dita. Tempo de encontrar os organizadores, fazer um reconhecimento ao local e procurar o melhor sítio para passar a primeira noite.

Os preparativos resumiam-se em encontrar um local onde colocar os sacos-cama e aguardar pelo jantar. A tarde já estava quase no fim mas houve ainda tempo para quem quis ir tomar banho, principalmente as crianças presentes, quase todas espanholas.

Os novatos tiveram logo ali a demonstração de como as coisas funcionam: a camioneta de caixa aberta chega, as geleiras são alinhadas no chão fazendo as vezes de mesa, onde são colocados os tabuleiros com a comida e os restantes utensílios, como pratos, talheres, copos, etc, e todos se servem, comendo e convivendo ali mesmo.




O rio Guadiana em Mértola / A vila e o castelo






O hotel com a sala de refeições e os quartos / A ala sul já ocupada pelos espanhóis







Fazendo as camas / O paredão que dá para o rio






Um banho antes de jantar / A sala de refeições sendo preparada






O paredão de Mértola ao entardecer

No fim do jantar, uma subida à vila para tomar um café. Encontrámos um bar com música ao vivo, e para grande surpresa, pelo menos minha, assistimos a uma excelente actuação da dupla Margarida Campelo e Inês Sousa, interpretando ao piano e na voz respectivamente, temas de Tom Jobim e de blues americanos. Quem julga que no Portugal profundo se ouve apenas música pimba (o que quer que isso seja) e folclore, engana-se.




Terra de (boa) música ao vivo






Depois do café, uma volta pela 24 de Julho lá do sítio e mais uma cerveja para aconchegar o estômago para a noite que se avizinha. De passagem ainda contemplámos na parede da câmara municipal a placa de indica a altura a que subiu a água nas cheias de 1876. Parece incrível, mas essa placa está algumas dezenas de metros acima do nível actual do rio.

De volta às origens, preparámo-nos para tentar dormir. Faltou referir que a camioneta dos mantimentos vinha acompanhada de duas enormes colunas que começaram a debitar música à hora do jantar, e havia o receio de que pudessem continuar pela noite fora. Acho que só se calaram lá para as duas ou três da madrugada.

Pior do que isso foi uma tenda que estacionou a uns dez metros de nós e que tinha la dentro o que parecia ser uma motoserra, e essa sim, esteve ligada a noite toda.
Além da dureza do cimento do chão tivemos ainda a companhia sempre agradável das formigas.

(Mais fotos da viagem podem ser vistas em http://picasaweb.google.com/paulo.e.c.rodrigues )

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