Descrição

Histórias de viagens ilustradas com fotografias

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Guadiana 2010 - descida em canoa - parte 6 (epílogo)

Acabadas as alarvidades, vamos falar de coisas sérias, sobre os diversos locais por onde passámos.
Comecemos pelo centro da acção, o rio...

Rio Guadiana

Dizem que havia um pastor
antre Tejo e Odiana,
que era perdido de amor
per ua moça Joana.
(Bernardim Ribeiro,
Écloga de Jano e Franco)



O Rio Guadiana visto do Pomarão

O Guadiana é um rio internacional, o quarto maior da Península Ibérica.
Com quase todos os rios há divergências quando à localização exacta das suas nascentes e o Guadiana não foge à regra. Há quem diga que nasce nas lagoas de Ruidera, na província espanhola de Ciudad Real, depois infiltra-se num curso subterrâneo e volta a reaparecer nos Ojos del Guadiana, no município de Villarrubia de los Ojos. Certo é que tem um comprimento que ronda os 820/830 km.

Serve de fronteira entre Portugal e Espanha por duas vezes, primeiro entre Caia e Monsaraz e depois entre Pomarão e a foz que se situa entre Vila Real de Santo António e Ayamonte.

No tempo dos romanos tinha o nome de Anas (que significa “dos patos”). Os árabes juntaram-lhe a palavra uadi (rio em árabe) passando a ser conhecido por Uadi Ana, ou rio dos patos. Durante alguns séculos o nome português era Uadiana, que depois derivou para Odiana.
O nome actual surge a partir do séc. XVI por influência espanhola. Os espanhóis transformaram a raiz árabe uadi em guadi, prefixo que têm outros rios espanhóis, como Guadalajara, Guadalquivir, etc.

Dois dos muitos patos avistados no rio
durante a descida

É um rio navegável até cerca de 80 km da foz. É um rio de contrastes, que alterna períodos de grande estiagem com cheias desastrosas. A mais famosa de todas ocorreu em 1876, em que o rio subiu em Mértola, 28m acima do nível da preiamar.

Mértola

A vila de Mértola, é a sede do município com o mesmo nome, um dos maiores do país, com 1.279,40 km2. Pertence ao distrito de Beja e é limitado a norte pelos municípios de Beja e Serpa, a leste por Espanha, a oeste por Almodôvar e Castro Verde e a sul por Alcoutim.

O castelo de Mértola

A vila fica situada na margem direita do rio Guadiana, imediatamente a montante da foz da ribeira de Oeiras.
Segundo o censo de 2001 a vila tinha 3.100 habitantes e o concelho 8.712.

No tempo dos romanos tinha o nome de Myrtilis Iulia, foi depois ocupada pelos visigodos e pelos muçulmanos, tendo nesta altura o nome de Mārtulah. Era um importante porto de rio, que dominava o Guadiana do alto do seu castelo; só seria conquistada aos Mouros no tempo do rei D. Sancho II, pelo comendador da Ordem de Santiago, Paio Peres Correia, em 1238.

Pomarão

Pomaráo é uma aldeia do concelho de Mértola, que segundo o censo de 2001 tinha 863 habitantes.
Fica situado na margem esquerda do Guadiana, na confluência com rio Chança, que faz fronteira com Espanha.

Restos do cais mineiro em Pomarão

A aldeia teve origem nos anos de 1859 e 60 depois de os proprietários das minas de S. Domingos terem decidido construir uma linha de caminho de ferro que ligava a mina ao Guadiana, para embarque do minério.
Foi uma das primeiras linha de caminho de ferro portuguesas, construída em 1858, apenas dois anos depois do troço Lisboa – Carregado, e esteve em funcionamento até à década de 1970.
Ainda são visíveis hoje em dia restos do antigo cais mineiro.

Em Fevereiro de 2009 foi inaugurada a Ponte Internacional do Baixo Guadiana, sobre o rio Chança. Para se chegar à povoação espanhola mais próxima, El Granado, era preciso percorrer 140km, com esta nova ponte a distância passou a ser de apenas 12km...

Alcoutim

Alcoutim é uma vila sede do município com o mesmo nome, com 576,57 km2, pertencente ao distrito de Faro. Segundo dados de 2006 a vila tem cerca de 1100 habitantes e o concelho 3272.
É limitado a norte pelo município de Mértola, a leste por Espanha (rio Guadiana), a sueste por Castro Marim, a sudoeste por Tavira e a oeste por Loulé e Almodôvar.

A vila de Alcoutim

A origem da povoação remonta ao Calcolítico, com a fixação de uma tribo celtibérica. No início do séc. II A.C. Foi ocupada pelos romanos que lhe deram o nome de Alcoutinium, de onde provém o nome actual. Foi posteriormente conquistada pelos Álanos e pelos Visigodos. Foi fortificada no início do séc. VIII quando passou para o domínio dos mouros.

Foi conquistada em 1240, no reinado de D. Sancho II e em 1304 D. Dinis deu-lhe um foral e mandou reeditar as muralhas e o castelo.


Sanlúcar de Guadiana

Em frente a Alcoutim fica a povoação espanhola de Sanlúcar de Guadiana. Existem uns pequenos barcos que fazem a travessia de pessoas entre as duas povoações.
Sanlúcar é um município pertencente à província de Huelva, com 96,5 km2 de área, e que segundo dados de 2007 teria 378 habitantes.

Sanlúcar de Guadiana e o seu castelo

A sua origem remonta à ocupação árabe, em que alguns grupos muçulmanos ocuparam estas terras sob protecção do reino taifa de Niebla.
O núcleo actual da povoação teve origem na conquista destas terras aos árabes pelo rei português D. Sancho II. Com o tratado de Badajoz em 1267 fixaram-se provisoriamente os limites dos reinos de Portugal e Castela e o rio Guadiana foi escolhido como elemento físico significativo para estabelecer essa fronteira.
O castelo de San Marcos sobranceiro à vila foi co
nstruído em 1642 devido à guerra da independência portuguesa, para defesa da vila, que não obstante foi ocupada militarmente por Portugal algumas vezes.

Puerto de La Laja

Durante o segundo dia da descida em canoa parámos a meio do percurso perto desta povoação espanhola.

Puerto de La Laja e o que resta dos silos de mineral

Puerto de La Laja é um antigo porto mineiro, semelhante a Pomarão e seu contemporâneo.
Situa-se na margem esquerda do Guadiana poucos quilómetros a jusante de Pomarão e pertence ao município de El Granado, província de Huelva.

Servia de porto para o escoamento do minério das minas de Cabeza del Pasto e posteriormente de Las Herrerias, o qual chegava até aqui através de uma linha de caminho de ferro de 32 km de extensão concluída em 1888, e que se manteve em actividade até 1965.

Saramugo

Para terminar temos o saramugo. Na segunda noite, em Pomarão, eu e o Carlos fomos dormir para um barco ancorado no cais e que tinha esse nome. Por curiosidade, quando regressei resolvi procurar o que seria um saramugo, e descobri que é um... Anaecypris hispanica.

Um saramugo

Pois é, o saramugo é um peixe. Uma espécie endémica da bacia do Guadiana, o que significa que não existe em mais parte nenhuma do mundo.
É um peixe que está em perigo de extinção, e por isso referido nos Livros vermelhos de vertebrados de Portugal e Espanha.

É o peixe mais pequeno da bacia do Guadiana, raramente ultrapassa os 7 cm de comprimentos, e vive cerca de 2 anos. O corpo é estreito e achatado lateralmente, com a cabeça pequena e olhos relativamente grandes. Tem uma cor prateada no ventre, castanho claro na zona dorsal e quase amarelo nas partes laterais. Alimenta-se de invertebrados minúsculos, algas e diversos detritos.
Curiosamente nunca foi detectado no troço principal da bacia hidrográfica, ou seja no rio Guadiana propriamente dito.
Em Portugal foi encontrado nas seguintes ribeiras, todas elas afluentes do Guadiana: Xévora, Caia (a montante da albufeira), Álamo, Degebe, Ardila, Chança (a montante da albufeira), Carreiras, Vascão, Foupana e Odeleite (a montante da albufeira).
Estão em curso acções conjuntas de Portugal e Espanha para evitar o sério risco de extinção que corre.

Quanto ao barco que nos serviu de quarto de hotel, e cujo nome despertou a curiosidade para esta pesquisa, trata-se de uma embarcação transformada para passeios fluviais pertença da Associação de Defesa do Património de Mértola.
Tem a designação de Ecoteca fluvial. Para quem não sabe, uma Ecoteca é um espaço didáctico e pedagógico, aberto a todos os cidadãos, onde é privilegiada a informação, a sensibilização e a formação sobre o ambiente.


A informação constante desta nota foi recolhida junto das seguintes fontes:

http://pt.wikipedia.org/wiki/P%C3%A1gina_principal
http://www.adpm.pt/
http://www.iambiente.pt/rea99/docs/31instefs.pdf
http://gomestorres.blogspot.com/2007/10/o-que-um-saramugo.html
http://www.triplov.com/galopim/guadiana/pages/aaa.htm

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Guadiana 2010 - descida em canoa - parte 5

Mais um apontamento solto do segundo dia da descida

Imagine there's no countries
It isn't hard to do
Nothing to kill or die for
And no religion too
Imagine all the people
Living life in peace...

(excerto de Imagine, de John Lennon)


"Frontalmente contra fronteiras

De que serve haver um rio que liga as margens
Se os homens as separam com fronteiras
Há milénios qu'há vida nestas paragens
Separada por costumes e barreiras.
Encontrei aves e peixes nas viagens
Iguais em tudo, de todas as maneiras
Não se distinguem em raças nem linhagens
O seu mundo são estas terras inteiras.

Duas margens iguais em aparência
Uma terra que o homem separou
Dividir p'ra reinar é uma ciência
Que o diga quem na terra soçobrou
Vencido p'la mais dura violência.
O homem fez o que o rei e deus mandou:
Dividiu, por sua conveniência
E quem manda, por mais tempo dominou. "

(Paulo Emanuel, Agosto 2010)

Decididamente o calor afecta o cérebro. Se ontem apenas com o calor da noite deu no que deu, nem imagino o que vai sair daqui hoje, a descer o rio à torreira do sol.
Nem uma arvorezinha para dar sombra, isto parece ter sido projectado por Siza Vieira...

Já por várias vezes atravessei fronteiras, mas esta foi a primeira vez que percorri uma. E com várias horas de caminho pela frente, houve tempo de sobra para observar muita coisa e para pensar outras tantas. Se é verdade que o calor dilata os corpos, imaginem o tamanho dos meus neurónios pensadores, sob este sol inclemente que nem um chapéu nem o protector solar factor 20 conseguiam aplacar.


A parte esquerda da imagem é Portugal, a parte direita é Espanha
(Ribeira da Chança)

No segundo dia da descida, a viagem decorreu toda em águas internacionais. Não sei se é esta a designação correcta para as águas de um rio que serve de fronteira. Enquanto no primeiro dia as duas margens do rio eram portuguesas, a partir de Pomarão a margem esquerda (e a metade esquerda do rio) é espanhola.

Olho à minha volta e tento descobrir alguma coisa que distinga a terra à minha esquerda da que está à minha direita. Puxo pela memória e recuo até ao dia anterior, em que também desci o rio embalado pelo sobe e desce de montes e vales na margem esquerda e na margem direita. Não encontro diferença alguma. Porque não há. Mas ela existe. Bem ali à frente da proa da canoa e estendendo-se até ao horizonte está uma linha amarela que eu não vejo, pintada com a mesma tinta com que imprimem os mapas, e que me diz que à minha direita pago o pão com escudos e à minha esquerda compro caramelos com pesetas.

A água é igual numa metade ou noutra do rio, a terra é igual na margem esquerda ou na direita, os arbustos (é preciso muito boa vontade para chamar àquilo árvores) são iguais dum lado e doutro do rio, os peixes nem sequer sabem que o rio tem duas metades, as aves, do alto do seu vôo, vêm apenas uma terra, atravessada por um rio. Tudo é igual, até mesmo as horas dadas pelo relógio de sol.
Só nós, pobres passantes, sabemos que há diferenças. Só nós temos relógios tecnologicamente mais evoluídos que o de sol, que nos dizem que à nossa direita são 10h e à nossa esquerda 11h.
E isto espantosamente acontece precisamente no mesmo local e à mesma hora. Deve ser a isto que chamam de relatividade.

Estes factos não os sei classificar, mas os meus pensamentos sei, e são claramente anarquistas. Se eu já era anarquista, mais anarquista fiquei. Bendito Sol que apanhei na moleirinha.

Porque a lógica é esta:
Há sempre alguém que manda na terra, infelizmente digo eu.
Havendo uma terra há só um a mandar.
Dois a mandar na mesma terra não pode ser, dá muita confusão.
Portanto quando há mais alguém a querer mandar, divide-se a terra.
Um manda num lado, o outro manda no outro.
Quanto mais “mandões” houver, mais se divide a terra.

Isto dito assim até parece simples, mas na prática não é. Porque as divisões não são feitas com máquina de calcular mas com espingardas e canhões.
E porque raramente um “mandão” vai em pessoa dividir o que quer que seja, envia os seus voluntários à força.

E isto passa-se em todos os Guadianas deste mundo, que serviram ou servem de fronteira.

Aqui chegado, porém, uma dúvida me assalta: se não houvesse esta fronteira, seriamos todos portugueses ou espanhóis?
Glup, nem quero pensar nisso!

domingo, 15 de agosto de 2010

Guadiana 2010 - descida em canoa - parte 4

O relato da viagem terminou com o post anterior. Isto agora são apontamentos soltos.

"Tanta luz

Tanta luz na escuridão
Estrelas, planetas, nebulosas
Brilhando lá no alto
Suspensas no vazio.
Luz que na cidade é invisível,
No campo cobre o céu
Com fios de prata.

Por entre desenhos
Abstractos
A que alguns
Chamam constelações,
Alguns pontos de luz
Mais brilhantes
Prendem o olhar,
Fixam a imaginação,
E interrogo-me:
Quem serão?
Onde estarão?
Que farão?
Os seres que habitam
As regiões remotas
Do espaço sideral. "

Paulo Emanuel, Agosto 2010)

Por muito que eu prefira o campo à cidade, tenho que reconhecer que as circunstâncias da vida me empurraram, a contragosto e inexoravelmente para esta ultima.
Daí que tenha sido com bastante satisfação que pude contemplar um céu repleto de estrelas, coisa que já não fazia há bastante tempo.

Não concordo nem aceito a teoria criacionista do Universo, porque, por oposição, acredito na teoria evolucionista. E fascina-me estar deitado, no chão ou em outro local qualquer a olhar para o céu à noite, e a tentar imaginar o que estará do outro lado da distância que nos separa do infinito.
Isto não tem nada a ver com discos voadores e tretas do género. Porque, como dizia Quino a propósito da possível existência de vida inteligente no cosmos, se forem mesmo inteligentes, não vêm até cá.
Acredito que existam milhões de locais por esse Universo fora onde possa ter surgido Vida, sem ser necessariamente na forma de homenzinhos verdes e com antenas.

E independentemente da distância, cada uma dessas possíveis comunidades de Vida, terão certamente muito mais que fazer do que vir até cá. Para nos conquistarem, ou em alternativa, armados em deuses.
Estas duas hipóteses, amplamente repetidas na literatura e no cinema reflectem o que o sistema quer que pensemos. Porque dá jeito. Porque molda e subjuga o pensamento. E sobretudo porque rende muitos milhões.

Estou no Pomarão, em pleno Alentejo, e apesar de ser meia noite, estão vinte e tal graus de temperatura. Se calhar tanto calor pôs-me a delirar. Acho melhor ir dormir.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Guadiana 2010 – descida em canoa – parte 3

Domingo - de Pomarão a Palmela, passando por Alcoutim

Domingo, novamente o acordar com o nascer do dia, devido à claridade. Logo bem cedo tivemos a companhia do Jorge que também madrugou e veio conhecer as nossas instalações.

O quarto da "Pensão Saramugo"
(foto Jorge Completo)

Antes que a confusão se instalasse resolvi ir tomar banho. De água fria, pensei. O tal café onde nos foi servido o almoço ontem e onde decorreu o concerto à noite parece ser o centro de tudo nesta terra. Tem umas casas de banho públicas, que incluem chuveiros. Afinal, apesar de ainda não serem oito horas da manhã, o calor acumulado durante o dia no depósito (ou nas canalizações, não sei bem) fez com que a água fria... estivesse morna. Nada mau.

Depois de um pequeno almoço idêntico ao anterior e servido nas mesmas condições, preparámo-nos para nova partida. Desta vez com um atraso menor.

A partir daqui estaremos em águas internacionais, a margem direita do rio é portuguesa e a esquerda espanhola. Não há grandes diferenças em relação ao dia de ontem no que diz respeito à paisagem Quanto à nossa progressão, talvez pelo cansaço os ritmos sejam quase todos mais lentos e por isso as distâncias entre as diversas canoas sejam relativamente menores.

A meio caminho uma paragem pare descanso e reagrupamento, na margem espanhola, junto à aldeia de Puerto de La Laja, um antigo porto mineiro semelhante a Pomarão.

Puerto de La Laja
(foto Jorge Completo)


Quase em frente, portanto na margem portuguesa do rio, há um curioso afloramento rochoso a que chamam “A biblioteca”. Trata-se de uma escarpa de rocha quase na vertical, sulcada por múltiplas fendas verticais que lhe dão o aspecto de livros arrumados numa prateleira.

A pedra da "Biblioteca"

Nova partida, desta vez para o troço final. A única diferença visível foi o aparecimento de vento, muito vento contra. Antes de chegarmos começou a fazer-se sentir o efeito da mudança da maré, o que aliado ao vento contra dificultava a progressão.
Como o aspecto psicológico conta muito, o aproximar do fim dava forças extra para compensar as que se perdiam com o acumular do cansaço.

Quando nos aproximámos do Alcoutim hesitámos em parar primeiro em Sanlúcar de Guadiana ou ir directamente para o cais final. Avistámos algumas canoas do lado espanhol e fomos até meio do rio tentar ver se seria alguém do nosso grupo. Não conseguimos ver ninguém conhecido e por isso voltámos a virar a proa para o cais de Alcoutim.
Afinal estavam alguns dos nossos amigos em Sanlúcar e ficaram chateados porque até nos chamaram e nós fomos embora.
Conclusão: o cansaço provoca perda de visão e de audição.

Ao fim de dois dias aportámos sãos e salvos ao cais de Alcoutim, dando por terminada a parte marítima da nossa viagem. Faltava a parte terrestre até casa.
Depois de arrumada a canoa, as pagaias e os coletes, fomos ao banho nos balneários públicos que existem no cais. Era hora de subir até ao castelo onde seria servido o último almoço.
De todas as refeições esta foi a pior para mim, gaspacho não é a minha especialidade e quanto às sardinhas, estou à espera que inventem sardinhas transgénicas, sem espinhas.

Almoço no Castelo de Alcoutim

Ainda houve tempo para um café e um pouco de descanso num miradouro que existe abaixo da castelo, antes de nos fazermos à estrada para a viagem de regresso, a qual decorreu sem problema nenhum.

No nosso grupo houve três maçaricos nestas andanças, o Quim, a João e eu, acho que todos nós ficámos clientes e que nos voltaremos a encontrar aqui em 2011.

Até para o ano, amigos!

(Mais fotos da viagem podem ser vistas em http://picasaweb.google.com/paulo.e.c.rodrigues )

domingo, 8 de agosto de 2010

Guadiana 2010 – descida em canoa – parte 2

Sábado – de Mértola a Pomarão

O sábado começou bem cedo, por volta das 6h30. A claridade do dia, aliada à dureza do chão e ao som da motoserra, que a esta hora ainda funcionava em pleno, fizeram as vezes de despertador. Levantei-me e tirei algumas fotos para registar o momento.

O início do dia

A pouco e pouco o resto do pessoal foi acordando também. Depois das lavagens possíveis neste hotel de 1000 estrelas, veio a hora do pequeno almoço. Seguiu-se a arrumação das mochilas para serem transportadas na camioneta. Quem quis ainda teve tempo para uma subida à vila para tomar café e ir à casa de banho.

O pequeno almoço

Quando descemos já havia pessoal a começar a colocar as canoas no rio. Estava prestes a começar a aventura da descida. O nosso horário regia-se pelas marés, e quanto a isso já estávamos um bocado atrasados. Devíamos ter partido por volta das 9h e já eram quase 10h.
Não tinha essa noção mas aprendi por experiência própria que apesar de estarmos a cerca de 70km da foz do rio o efeito das marés faz-se sentir com intensidade.

O início da descida

Nesta altura eu ainda não sabia que as fotos seguintes iriam ficar uma porcaria. Comprei um saco impermeável para poder transportar a máquina em segurança, mas ou porque eu sou um autêntico nabo ou porque o saco é apenas para transporte e não para fotografar, o certo é que as fotos que tirei durante a descida ficaram sem qualidade nenhuma.

No princípio era assim

Tendo a máquina já a postos, preparei-me para fazer a descida com o Carlos. Sendo ele já experiente nestas andanças e eu um principiante, fui à frente e ele atrás para guiar a canoa.

Isto até que é fácil, basta pegar na pagaia e zás, zás, zás, ir por ali fora, bem, enquanto os músculos aguentarem. Não há muito trânsito nem cruzamentos nem curvas apertadas. Outra coisa que aprendi é que é possível transportar o protector solar na canoa de forma a ir colocando durante o caminho, para não queimar as perninhas e os pezinhos.

A paragem intermédia seria na Penha da Águia, um local remoto perdido no meio de nada, onde haveria lugar a um abastecimento mais sólido do que as (muitas) cervejas transportadas pelos barcos de apoio. Aqui chegado, aprendi também por experiência própria que se sair da canoa com os chinelos calçados, depois tenho que os ir buscar com a mão, pois ficam enterrados em pelo menos um palmo de altura de lodo.

Penha da Águia

Por volta da uma da tarde, tendo chegado o pessoal todo, incluindo os mais atrasados, fizemo-nos de novo à estrada, ou melhor, ao rio, para a parte final da etapa. Não convinha atrasarmo-nos muito por causa da mudança da maré, mesmo assim e devido à extensão deste primeiro dia iríamos sempre apanhar um bocado de maré a subir.

O adeus à Penha da Águia

Ainda não fiz qualquer referência à paisagem durante a descida. É deslumbrante ver o rio a perder de vista e os montes em redor. Depois de uma curva, temos mais rio e mais montes em redor. Contam-se pelos dedos das mãos (e ainda sobram dedos) as casas que encontrámos pelo caminho. Durante grande parte do caminho as canoas vão a algumas centenas de metros umas das outras. Só se ouve o chapinhar das pagaias. De vez em quando lá se juntam uma meia dúzia de canoas em volta de algum barco de apoio, em busca de substrato líquido, para de seguida, se voltarem a afastar, em função dos diferentes ritmos de cada um. De novo só o azul do céu e da água, e o castanho pintalgado de verde dos montes.

A paisagem durante a descida

A parte final deste primeiro dia começou a tornar-se um bocado penosa. A última hora então foi terrível. Já não tinha forças para levantar os braços, a pagaia estava quase apoiada nos joelhos e só conseguia dar um impulsozinho pequeno na água.

Finalmente Pomarão à vista, mas até lá chegarmos são bem uns vinte minutos. Que bom é voltar a ter os pés bem assentes no chão.
Depois de voltarmos a ter o grupo reunido, fomos ao almoço, desta vez servido num dos cafés da terra. Deviam ser umas três ou quatro horas da tarde.

O almoço no Pomarão

O resto do dia seria passado no descanso, já a pensar na jornada do dia seguinte. Sombra é coisa que não abunda lá pelo Pomarão, por isso custou um bocado a passar o resto da tarde. Tirámos os sacos da camioneta e preparámos as camas para a noite. Havia tão poucos sítios bons (ou menos maus, depende da perspectiva) que tivemos que os ocupar logo estendendo o saco cama, pois à mais pequena distracção havia logo quem ocupasse o lugar.

Imagens do Pomarão

Ainda fiz uma sesta no passadiço que dá para o cais, mas aconselharam-me a não ficar ali durante a noite. Apesar de confortável(?) era estreito, e com a escuridão da noite corria o risco de ser espezinhado por algum transeunte mais alcoolizado.
O Carlos estava a pensar ir dormir para um barco, tal como fizera o ano passado e eu resolvi fazer o mesmo.

Saramugo, o verdadeiro soalho flutuante

No resto da tarde ainda assistimos a dois jogos de futebol do campo lá da terra, feito de gravilha com um tamanho maior que berlindes. É incrível como alguém joga ali.

Com o Sol já a por-se, e portanto com a temperatura já mais suportável, eu o Jorge e o Carlos partimos à conquista de Espanha montados nos nossos corcéis, isto é, nos nossos chinelos de plástico. Ninguém mais nos quis acompanhar temendo a caminhada, mas a distância era de apenas umas poucas centenas de metros, até à nova ponte que liga as duas margens da ribeira da Chança, a qual serve de fronteira entre os dois países. Com a vantagem de que no regresso seria a descer.




A Ribeira da Chança e a ponte que liga Portugal e Espanha

A obra é recente, segundo disseram a ponte não existia o ano passado, e é comovente ver o empenho que o estado aplicou nesta construção. Do lado espanhol o acesso à ponte é feito por uma simples estrada nova, larga, com as marcações a branco bem visíveis. Do lado português, e para fazer inveja aos espanhóis há uma magnífica SCUT. Sem qualquer custo para o utilizador mesmo, e por enquanto. Se o governo tivesse noção da quantidade de espanhóis que atravessam a fronteira no Dia Nacional do Pomaráo (que por acaso é hoje, dia 31 de Agosto) para assistir ao concerto da Tânia Cristina, já teria instalado ali uma portagem, com ou sem chips de matrícula.

Uma simples estrada e uma magnífica SCUT

Uma nota digna de registo é que os participantes foram seguidos durante a descida por repórteres da National Geographic

Os repórteres da National Geographic em acção

O jantar foi servido no cais, constituído por uma larga plataforma de cimento, onde cabíamos todos, mais a camioneta, as geleiras a fazerem as vezes de mesa e o grelhador. O aquecimento para a rave party que, tal como na véspera, se seguiria ao jantar, começou logo, com a música a sair bem alto das colunas. Havia uma certa escuridão no ar, pelo que os menos entendidos em culinária como é o meu caso nem sabiam (nem viam) bem o que estavam a comer, era qualquer coisa grelhada, e saiba bem. Com cerveja gelada sabia ainda melhor.

À noite tinhamos para assistir o concerto da Tânia Cristina, que seria no exterior do café onde foi servido o almoço. Basicamente consistia na Tânia Cristina cantando, acompanhada do seu orgão electrónico, daqueles em que se carrega num botão e quase tocam sozinhos, parecem uma orquestra inteira. Certo é que o espaço estava cheio, e ninguém arredou pé ate ao final. Excepto os intrépidos marinheiros, que no dia seguinte tinham que se levantar cedo pois tinham mais umas quantas milhas para marinhar.

Junto ao cais, o ambiente não era o mais propício para dormir. As colunas ainda não se tinham calado, e a julgar pelos anos anteriores, havia a temer que só se calassem no dia seguinte de manhã quando a camioneta arrancasse.
Felizmente lá pelas três ou quatro da madrugada, alguém mais exaltado, morador ou excursionista, não sei bem, conseguiu que se fizesse silêncio.

Com os locais de dormida quase todos já previamente escolhidos, faltava eu e o Carlos encontrarmos o “nosso” barco. Já estava referenciado, apenas não o ocupámos durante o dia para não levantar suspeitas. Tratava-se do “Saramugo”, e constituiu para nós um autêntico quarto de hotel com o verdadeiro “soalho flutuante”, bem melhor do que o cimento do cais.

(Mais fotos da viagem podem ser vistas em http://picasaweb.google.com/paulo.e.c.rodrigues )

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Guadiana 2010 - descida em canoa, parte 1

6ª feira - De Palmela a Mértola, passando por Alcoutim

"Guadiana dum cabrão
Nan te ficas a rir de mim
Porque ê com a pagaia na mão
Fui de Mértola a Alcoutim"

(Paulo Emanuel, Agosto 2010)
(ler com sotaque alentejano)


Não me afoguei, mas afoguei as mágoas. Esta foi talvez a maior ilação que tirei destes três dias fantásticos por terras de além Tejo.
A actividade física e o desporto sempre fizeram parte da minha natureza, e os últimos anos passados na cidade do Porto sem qualquer actividade têm-me complicado o sistema nervoso. Esta descida serviu para reavivar as memórias, e devolver o gosto já esquecido da actividade ao ar livre. Agora que se aproxima a passos largos a hora do regresso a Sintra, sinto que ainda tenho força suficiente para dar duas seguidas. E hei-de voltar a dar, duas voltas seguidas ao quarteirão, a correr.

O Carlos deu a melhor definição que ouvi para as descidas do Guadiana organizadas pelo Clube ATC Aventura: um misto de vida no campo e Liga dos últimos.

Considero a definição absolutamente apropriada. Não só porque efectivamente se tratou de uns dias de vida no campo, mas acima de tudo porque os conceitos de companheirismo, entreajuda e solidariedade, mais condizentes com o estilo de vida de de quem vive no campo do que entre quem vive na cidade, estiveram de facto presentes entre todos. Bom, entre quase todos. A presença habitual de um grupo de vuestros hermanos (sim, que nuestros eles não são de certeza) corre o risco de se transformar num grave incidente diplomático.
Na Liga dos últimos, mais do que jogar por dinheiro, ambição ou fama, joga-se pelo prazer de jogar e com satisfação. E foi assim que todos acabaram mais esta descida do rio Guadiana em canoa: com satisfação pelo prazer que tiveram no convívio de dois dias com os amigos.

A descida em canoa propriamente dita foi apenas de dois dias, sábado e domingo, mas na 6ª feira já estávamos em estágio, a preparar o fim de semana. Os músculos, com maior ou menor dificuldade, superariam as agruras da descida, e caso não aguentassem, lá estavam os barcos de apoio. Agora o estômago...

A partida de Palmela ocorreu mais ou menos à hora prevista, e a viagem decorreu normalmente, com a primeira paragem a ser feita em Santa Margarida do Sado, onde estava marcado um encontro com uns torresmos. Voltámos de novo à estrada, desta vez para seguirmos até Alcoutim, final da descida e local onde iriam ficar os carros.
Não sei se é verdade ou não a anedota que diz que no Alentejo os restaurantes fecham para almoço, mas mesmo que fechem, à hora que chegámos, 15h, já estariam de novo abertos e com almoço disponível ainda para nos servirem.



O almoço em Alcoutim / Sanlúcar de Guadiana visto de Alcoutim




O rio Guadiana em Alcoutim / A travessia para Sanlúcar de Guadiana



Como o autocarro que nos levaria até Mértola só chegaria ao final da tarde, tivemos tempo para atravessar o rio e ir até Sanlúcar de Guadiana. Na barca que faz a travessia aconselharam-nos a ir ao café do Zé Maria e pedir cerveja em “vaso de barro”. Não foi difícil encontrar o café do Zé Maria, demos uma volta pela terra e só encontrámos um café mesmo, teria que ser esse. No final houve um vaso de barro que fez questão de nos acompanhar no regresso. Foi amor à primeira vista, parece.
Nenhuma viagem turística ficaria completa sem a presença de alguns pacotes de açúcar. De Espanha trouxe um pacote de exportação da Delta que ainda não tinha.




Alcoutim visto de Sanlúcar de Guadiana / À mesa com os vasos de barro






No regresso a Alcoutim

Contrariando as expectativas, o autocarro que nos levaria a Mértola era quase último modelo. Ouvi relatos de que em anos anteriores o meio de transporte disponibilizado parecia saído de um filme de história e demorava quase uma hora a percorrer os 38km do trajecto. Nesse período de tempo estavam incluídas paragens a pedido dos passageiros para se alijarem dos restos da cerveja. Com este autocarro, o trajecto foi tão rápido que não justificava qualquer paragem.




O autocarro para a viagem até Mértola

Com a chegada a Mértola ia começar a aventura propriamente dita. Tempo de encontrar os organizadores, fazer um reconhecimento ao local e procurar o melhor sítio para passar a primeira noite.

Os preparativos resumiam-se em encontrar um local onde colocar os sacos-cama e aguardar pelo jantar. A tarde já estava quase no fim mas houve ainda tempo para quem quis ir tomar banho, principalmente as crianças presentes, quase todas espanholas.

Os novatos tiveram logo ali a demonstração de como as coisas funcionam: a camioneta de caixa aberta chega, as geleiras são alinhadas no chão fazendo as vezes de mesa, onde são colocados os tabuleiros com a comida e os restantes utensílios, como pratos, talheres, copos, etc, e todos se servem, comendo e convivendo ali mesmo.




O rio Guadiana em Mértola / A vila e o castelo






O hotel com a sala de refeições e os quartos / A ala sul já ocupada pelos espanhóis







Fazendo as camas / O paredão que dá para o rio






Um banho antes de jantar / A sala de refeições sendo preparada






O paredão de Mértola ao entardecer

No fim do jantar, uma subida à vila para tomar um café. Encontrámos um bar com música ao vivo, e para grande surpresa, pelo menos minha, assistimos a uma excelente actuação da dupla Margarida Campelo e Inês Sousa, interpretando ao piano e na voz respectivamente, temas de Tom Jobim e de blues americanos. Quem julga que no Portugal profundo se ouve apenas música pimba (o que quer que isso seja) e folclore, engana-se.




Terra de (boa) música ao vivo






Depois do café, uma volta pela 24 de Julho lá do sítio e mais uma cerveja para aconchegar o estômago para a noite que se avizinha. De passagem ainda contemplámos na parede da câmara municipal a placa de indica a altura a que subiu a água nas cheias de 1876. Parece incrível, mas essa placa está algumas dezenas de metros acima do nível actual do rio.

De volta às origens, preparámo-nos para tentar dormir. Faltou referir que a camioneta dos mantimentos vinha acompanhada de duas enormes colunas que começaram a debitar música à hora do jantar, e havia o receio de que pudessem continuar pela noite fora. Acho que só se calaram lá para as duas ou três da madrugada.

Pior do que isso foi uma tenda que estacionou a uns dez metros de nós e que tinha la dentro o que parecia ser uma motoserra, e essa sim, esteve ligada a noite toda.
Além da dureza do cimento do chão tivemos ainda a companhia sempre agradável das formigas.

(Mais fotos da viagem podem ser vistas em http://picasaweb.google.com/paulo.e.c.rodrigues )