Descrição

Histórias de viagens ilustradas com fotografias

sexta-feira, 23 de julho de 2010

A Ilha Verde



A Ilha Verde

O progresso que a vista não alcança
Está p'ra lá destes montes em redor
Aqui não há sinais de abastança
Aqui só o sossego é maior.

Este verde em que a vista descansa
Reflecte nesta água o seu esplendor
Ao som desta música que não cansa:
Sinfonia da Água em Sol Maior.

O relógio de Sol e o seu ponteiro
Indica que é hora do regresso,
De deixar esta luz, os sons, o cheiro

Por isso na hora em que me despeço
Olho mais uma vez este ribeiro
E parto desta terra com apreço.

Desta ilha verde não se vê nenhum Continente. Nem tão pouco Modelo, Jumbo ou Pingo Doce.
Não se ouvem vozes, telemóveis ou motores. Só o ruído da água a correr e a saltar sobre as pedras, e um ou outro pássaro ocasional que passa.
Até mesmo o vento, essa presença invisível quase sempre presente, estava reduzida a uma ínfima brisa quase sem força para agitar as folhas.

A presença humana estava reduzida a um único exemplar, o que nem sequer é suficiente para perpetuar a espécie.
A fauna, essa estava representada em quantidade e variedade. Começando pelos pássaros, invisíveis mas que faziam ouvir a sua presença. As pedras da ponte, quentes pelo Sol estival do meio da tarde, serviam de pouso a diversas lagartixas, que correram a esconder-se com a chegada do intruso. Como é normal junto a qualquer curso de água, nuvens de moscas, melgas e mosquitos enchiam o ar.
A flora estava presente por todo o lado, com inúmeros membros da família matos, sobretudo árvores e ervas. Desculpem eu não saber os nomes próprios, só lhes conheço os apelidos.

Se o progresso alguma vez chegar a esta terra, a vida nunca mais será a mesma, porém continuará tudo igual.
As pedras gastas dos caminhos deixarão de ver a luz do Sol, cobertas pelo tapete negro do alcatrão, porém os pés que o pisarem continuarão a inexorável marcha em busca da sobrevivência.
As árvores que ladeiam os caminhos darão lugar a casas com lojas que venderão produtos supérfluos, porém os poucos habitantes destas paragens não poderão nem comprar o que é essencial.
Anúncios, cartazes e neons anunciarão visitas, passeios e excursões, pagos obviamente, porém quem vier não verá aquilo que eu vi gratuitamente. Verão o rio, porém não lhe ouvirão o murmurar, abafado pelo ruído da multidão. Verão as árvores, porém não sentirão o sossego, desaparecido pela presença de quiosques, musica os berros e transito.

Quem é que vai a um concurso televisivo dizer ao apresentador que quer ganhar dinheiro para fazer uma viagem a Vila Pouca de Salzedas? Quem é que poderá impressionar os amigos e fazer inveja aos inimigos dizendo uma coisa dessas? Ninguém certamente. Ah, mas quando Vila Pouca de Salzedes estiver no mapa dos melhores destinos turísticos, quando deixar de estar ao alcance de pelintras, quando até as melhores agências de viagens, aquelas que enganam declaradamente os seus clientes organizarem viagens para lá, então muita gente fará a sua viagem de sonho ao concelho de Tarouca.
Tudo isto não passa de uma miragem, um pesadelo, e ainda bem. Por aqui não há nada de novo debaixo deste Sol.
Até quando?

De regresso ao século XXI, tive que subir algumas centenas de metros pelo íngreme caminho empedrado que separa a ponte da estrada de alcatrão onde ficou o carro. Ao chegar algo me fez recordar reminiscências do passado. O carro tinha ficado num local onde a berma um pouco mais larga permitia o seu estacionamento, junto a um campo de milho. O meu relacionamento com o milho resume-se à broa do dito. Há uns anos atrás, numa viagem também pelo Portugal profundo, e ao passar por um campo de milho, disse a alguém que tinha a fantasia de dar uma queca num campo de milho, “à sombra do milho verde”.
Obtive a seguinte resposta: “ah, isso é porque moras numa cidade, se morasses no campo querias dar uma num elevador!”.
Não percebi nada da resposta, aliás ainda hoje não a percebi, só sei que o campo de milho, lá ficou para trás, imaculado.

Este texto tem um pouco de batota, não foi escrito (nem mesmo pensado) junto à ponte de Vila Pouca. Tudo ocorreu em 21 de Julho, durante uma viagem de autocarro do Porto para Lisboa. Com a trepidação própria de um veículo em movimento, quer a letra quer mesmo as ideias, ficaram assim um pouco tremidas.

Também não sei porque tem o título de “A Ilha Verde”. Há umas semanas atrás, o meu psicanalista particular falou-me de “ilhas”. Pode se que tenha alguma coisa a ver. Ou talvez não.

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